«A Confederação é uma das peças
da estruturação do movimento associativo»
Juntámos na mesma mesa Alfredo Flores (ex-presidente da FPCCR), Alexandre Castanheira (associativista) e Alberto Costa (ex-presidente da Federação de Colectividades do Porto) para uma conversa sobre a nova fase do movimento associativo de raiz popular.
Desde cedo se percebeu que reinava o consenso em relação à necessidade deste associativismo se estruturar, nomeadamente através da passagem da FPCCR a Confederação e da criação de estruturas intermédias.
As vantagens são muitas, dizem, mas também será preciso estar atento as perigos, sempre vão avisando…
Alfredo Flores
O que distingue este movimento associativo dos outros é a sua diversidade, exigindo que a sua estrutura seja, de certo modo, compartimentada de forma a responder às necessidades das bandas, do teatro, do desporto, do campismo, entre outras actividades. A estruturação desta organização não poderá copiar modelos existentes porque este movimento é único.
A questão principal prende-se com o facto deste movimento associativo ter uma actividade ininterrupta durante século e meio de existência. Depois dele já surgiram outros movimentos associativos que tiveram a capacidade de se estruturar. Essa reorganização permitiu que tivessem uma capacidade reivindicativa muito maior e conseguissem o reconhecimento por parte das entidades oficiais em relação ao trabalho que desenvolvem.
Nós continuamos a ser o «parente pobre» de todos os movimentos associativos. A forma como antecipo o novo modelo do movimento associativo de raiz popular é através de uma cúpula (Confederação) e de estruturas intermédias (associações concelhias e federações distritais). Temos de ver qual é a forma mais vantajosa de as ligar para que os objectivos sejam alcançados.
Alexandre Castanheira
O grande problema deste movimento associativo tem sido sempre o da organização interna e do seu relacionamento entre si e com os outros.
As colectividades nascem mais ou menos espontaneamente, começam a desenvolver actividades e depois não se relacionam. Mais tarde vão tendo conhecimento de outras ao lado que até fazem as mesmas coisas e assim o movimento foi-se multiplicando, desdobrando-se por várias regiões e encontrando modelos próprios de acordo com hábitos da população.
Chega-se depois a um momento em que verificamos que outros tipos de movimentos associativos vão nascendo, porque os tempos são outros, as mentalidades são outras e os problemas mais diversos. Foram-se criando outras estruturas para problemas específicos que esvaziaram um pouco as colectividades.
Se nem nos reconhecemos uns aos outros, como é que queremos que nos reconheçam, como um todo e uma força que temos, através do que fazemos, mas não do ponto de vista organizativo.
Portanto, era necessário encontrarmos uma forma de nos estruturarmos, com uma cúpula que seja parceiro social, mas com uma grande base nas colectividades, que continuam a ser o sangue desta estrutura.
A nova estruturação tem alguns perigos por isso teremos de estar vigilantes. O não isolamento da própria Confederação é muito importante e esta não se pode fechar em si. Tem de procurar um relacionamento próximo, não só junto do Estado para fazer valer a sua importância, mas também apoiar-se nas experiências de outras congéneres que, de quando em vez, modificam os seus estatutos.
Alberto Costa
A Confederação tem de ter uma representatividade a nível nacional e tem de ser comandada da base. Não vamos criar uma «super-estrutura» comandada por pessoas que digam pouco ao associativismo. Além disso, esta estrutura terá de ser muito móvel e muito operacional. Terá divisões específicas que dêem resposta às colectividades em cada uma das áreas.
Luta pelo reconhecimento
O Estado tem cumprido com as suas obrigações, nomeadamente com o que está consagrado na Constituição na parte que diz respeito aos apoios a conceder às colectividades?
Alexandre Castanheira:
O que nós precisamos em relação ao Estado é que reconheça finalmente o que nos deve. Este é, praticamente, um problema de merceeiro. Há despesas e há receitas. Uma das grandes receitas do Estado é este movimento associativo: em dinheiro, em obras, em construções, em êxitos que eram imagináveis, através das várias actividades como a música e o desporto.
Não queremos dádivas nem subsídios. O Estado tem de passar a cumprir com a sua obrigação.
Alfredo Flores:
Nós não temos de ter subsídios porque estamos a prestar um serviço que compete ao Estado prestar. Quantos jovens não saem da marginalidade por terem encontrado nas colectividades um espaço onde podem estar?
As chagas sociais alastram de dia para dia e as colectividades, se tivessem o reconhecimento devido, poderiam fazer um trabalho ainda maior e melhor. É preciso que se criem condições e aí o Estado tem de cumprir a sua obrigação consagrada na Constituição. O Estado tem de garantir as condições para que nós o possamos substituir e ainda nos agradecer no fim.
Acreditam que com esta nova organização do movimento associativo popular será possível um maior poder reivindicativo e o estatuto de parceiro social tornar-se uma realidade?
Alfredo Flores:
O poder reivindicativo advém da capacidade das instituições. A nossa capacidade, força e a maneira como nos organizarmos e os nossos dirigentes se consciencializarem da sua força é muito importante.
Na verdade, este é um passo importante, mas só terá eficácia quando acontecer uma mudança na mentalidade dos associativistas.
Este movimento associativo tem um papel insubstituível na sociedade, não só na resolução de problemas, como também como factor de desenvolvimento económico. As colectividades são responsáveis por postos de trabalho de milhares de pessoas. Considero no mínimo ofensiva a postura de distanciamento do Estado, que é elitista e classista.
Alexandre Castanheira:
Nós não precisamos de casar com o Estado (nem queremos), mas gostamos da ideia de uma «união de facto…». Queremos a nossa independência e o reconhecimento da nossa união para o desenvolvimento deste País.
Alberto Costa:
As colectividades são um dos pilares da nossa sociedade. Temos a família, a escola e o associativismo em todas as suas vertentes.
Somos um complementar educacional e cívico da sociedade e das escolas. Quer no desporto, quer na cultura, poderemos ser a parte de estágio ou a prática dos alunos. Podemos trabalhar para a formação de jovens e para o bem do País.
No campo dos idosos, por exemplo, já apareceram, através deste movimento associativo, as chamadas universidades seniores. Curiosamente, um dos grandes movimentos, a Cercis, começou precisamente numa associação de moradores.
Só nos falta mesmo o reconhecimento por parte de quem de direito.
Melhor organização, mais eficácia
Com esta nova organização, que diferenças concretas sentirão as colectividades e os dirigentes no seu trabalho do dia-a-dia?
Alberto Costa:
Considero que esta nova organização que idealizámos pode responder melhor às necessidades das colectividades no terreno. Em primeiro lugar, se de facto formos reconhecidos como uma força, o Orçamento de Estado poderá contemplar verbas para este movimento associativo, o que viria beneficiar as associações.
Em segundo lugar, as associações terão acesso à informação mais rapidamente. A grande maioria dos dirigentes, apesar de terem pouca escolaridade, já fizeram grandes obras. Se a estrutura estiver a trabalhar bem, será mais fácil para alguns dirigentes resolver questões de carácter mais burocrático e para as quais ainda não estão talhados. Exemplos: apoio judicial, jurídico, administrativo e contabilístico. Em vez de termos um contabilista para cada uma das colectividades, muito provavelmente teremos um para várias, situado em cada estrutura intermédia, provavelmente na concelhia.
Alexandre Castanheira:
A realidade do nosso movimento associativo é feita de uma base cultural deficiente. A evolução social e do Mundo é de uma rapidez e de uma transformação quase total que por vezes ficamos surpreendidos. O menos culto e menos preparado precisa de ser amparado através da formação.
Esta nova estrutura tem de pensar seriamente na formação de dirigentes. Fazemos coisas maravilhosas mas podem-se evitar certos erros.
Todos vão exigir mais do nosso movimento e isso precisa de preparação. É necessário que as associações concelhias, instigadas pela Confederação, pensem na formação que tem de ter uma componente própria para cada região.
O nível de estudo da Confederação é o que vai distinguir fundamentalmente o trabalho das federações distritais e das associações concelhias. Não pode acontecer como nas colectividades em que o director, em vez de estar a pensar em novas políticas e projectos, anda a carregar as cadeiras para o baile. Não é que não o possa fazer, mas também tem de estudar a sua situação.
Aqui na Confederação é preciso estar atento, não só ao movimento associativo, mas também a tudo o que está à volta.
Alfredo Flores:
Mudará muita coisa no dia-a-dia das associações. Passará a haver uma associação concelhia e as colectividades terão ali um interlocutor, uma estrutura organizada. Não nos podemos esquecer que as federações distritais serão um parceiro das autoridades distritais.
A Confederação estará mais ligada às grandes linhas de actuação, como a presença deste associativismo no Orçamento de Estado ou ao relacionamento com a União Europeia, entre outras questões de maior peso.
A Confederação é uma das peças da estruturação. O importante é conseguir estruturar o País, de forma a que as estruturas distritais possam defender melhor os interesses das suas regiões.
É na multiplicidade de estruturas que a estruturação é indispensável.
Como é que antevêem o futuro do movimento associativo popular nos próximos anos?
Alfredo Flores:
O futuro deste associativismo está ligado ao futuro da sociedade. O movimento associativo é um reflexo da sociedade.
As minhas expectativas estão pessimistas em relação à sociedade e à barbárie da força do neocolonialismo, demonstrado pelos recentes desenvolvimentos no Iraque. A nossa sociedade já não se deve reger pela lei da selva, a lei do mais forte.
Por outro lado, penso que, cada vez mais, as pessoas precisam deste movimento associativo para a resolução dos seus problemas. Hoje em dia, as questões sociais são relegadas para segundo plano e terá de haver um contraponto.
Por isso entendo que as pessoas continuarão a ter a necessidade de se associarem. Este movimento associativo pode ter um papel importante, mas tem de se reforçar.
A função das colectividades é a de dar resposta às necessidades. Por isso, este movimento associativo terá sempre futuro. Vejamos qual será…
Alberto Costa:
Nos momentos de crise o movimento associativo é a resposta. Não é por acaso que o Estado pretendia criar, há pouco tempo, os clubes de emprego. A história diz-nos que é quando surgem dificuldades que nascem mais colectividades e se nota mais o associativismo.
Estamos numa fase muito difícil e por isso penso que vão ser criados novos tipos de associativismo.
As novas tecnologias também terão uma palavra a dizer no futuro. A instalação de computadores nas associações e o seu uso pelos jovens será muito importante. Esta é uma maneira de suprir algumas carências na população.
Alexandre Castanheira:
O próprio movimento associativo nasceu com a evolução da sociedade.
Qual vai ser amanhã a reivindicação da juventude e dos mais velhos? Não sabemos… mas temos de estar atentos.
Elo Associativo Nº 30 – Abril 2003