Cooperativa Piedense faz 120 anos mas o futuro é incerto
2013
A Cooperativa de Consumo Piedense comemorava o seu aniversário no mês de Março, com um programa cultural que tentava transmitir às gerações futuras a sua história e identidade. Esperemos que a Pluricoop, actual detentora do seu espólio material e cultural a possa reabilitar. Entretanto, prestamos a nossa homenagem à CCP, publicando ao longo deste mês 31 testemunhos de antigos associados, para festejar o seu 120º Aniversário.
João Jorge Tavares Gama nasceu na Cova da Piedade em 1926. Foi dirigente da SFUAP, do Clube Columbófilo Piedense, presidente da URPICA e colaborador da Cooperativa
“Você sabe, nascemos num meio associativista do mais importante que existe no nosso país, o mais importante que ainda existe no nosso país. Eram associações para tudo e para nada, mas sobretudo as grandes associações, SFUAP, Incrível e Academia e por ai fora. E eu vivi, um bocado, este ambiente aqui, desde garoto na Sociedade, depois fui crescendo. Quando já estava crescidinho comecei a interessar-me pelo aspecto social da Cooperativa. É pá e aquilo mexeu um bocado comigo! Eu já não digo se isto é formação ou se é uma coisa que nasce dentro de nós pá, dentro das barrigas das mães, não sei. De maneira que pronto, fiz-me sócio, ainda era solteiro, fiz-me sócio da Cooperativa e até hoje. E até hoje, já lá vão mais de cinquenta anos. (…) A Cooperativa aqui ao nível da freguesia teve uma importância muito grande, aquilo é um mundo, falar da Cooperativa… Colaborava na divulgação das ideias democratas, das ideias socialistas, tal, tal etc., mas não estava à vista. Tinha de ser resguardado, tinha de ser com calma, de maneira habilidosa para esclarecer as pessoas. E é como lhe digo a biblioteca da Cooperativa era uma Universidade aberta, pela quantidade de livros que tinha e pela variedade de temas que cada livro tinha e passaram por ali grandes vultos pela Cooperativa, tive o privilégio de cumprimentar nomes ilustres. Passaram pela cooperativa, grandes figuras da intelectualidade portuguesa, Ferreira de Castro, o Fernando Namora, o espanhol que veio cá com o Namora, não me lembro o nome dele, o Soeiro Pereira Gomes, o Urbano, passaram por cá tantos! (…) A Cooperativa foi espiada durante muitos anos pela PIDE, espiada e em alguns casos até davam conhecimento a nós: “Eu sou da PIDE venho aqui assistir à vossa Assembleia Geral”, até às Assembleias Gerais eles iam. Eles não podiam com aquilo, eles não podiam com o associativismo. (…) Alguns rapazes da Piedade foram presos pela PIDE mas não era pelas actividades que desenvolviam lá dentro, era pelas actividades que desenvolviam cá fora, clandestinidade aquelas coisas clandestinas etc. Pelo menos que me lembre, assim de repente, de uma vez foram três, o Mário Araújo, o Raul Cordeiro, o Albertino, como empregados foram estes três. Foi uma leva muito grande na época das eleições de um candidato que toda a gente apoiou claro, que estava a afrontar o fascismo, que era o Humberto Delgado. E depois do Humberto delgado foi uma caça ao homem que foi uma coisa tremenda. (…) Servi o movimento cooperativo e o movimento cooperativo também me serviu, dentro deste intercâmbio de solidariedade, porque o cooperativismo é solidariedade, era amizade, até o símbolo eram duas mãos dadas, serviu muita gente, podia servir também muito mais gente ainda se realmente não houvesse este ambiente mercantilista que hoje nos rodeia a todos.” (João Gama – 2005)
Maria Vitorina Pereira Baptista Antunes nasceu em Grândola em 1930. Ao dezoito anos aderiu ao MUD Juvenil e foi presa em 1952. Em 1953 veio viver com a irmã para a Cova da Piedade. Em 1954 casou e associou-e à Cooperativa, onde foi empregada e colaboradora das comissões culturais.
“Quando vim para a Cooperativa foi diferente, casei-me, mas gostava de estar ligada a alguma coisa e convidaram-me para pertencer ao núcleo feminino da Cooperativa, onde fiz algumas coisas. (…) Fui sócia e fui empregada. Nesse tempo em que a gente se associou a Cooperativa era diferente, a gente aviava-se todo o ano e no fim do ano conforme o lucro da Cooperativa assim era distribuído pelos associados. Era diferente, como as dificuldades eram diferentes de agora. Para já a vida desse tempo não tinha nada a ver com a vida que é agora. Ao pé desse tempo sou uma mulher rica, mesmo sendo pobre, e então, aqueles lucros eram para toda a gente que trabalhava uma coisa maravilhosa, porque dava para comprar uma coisa que se não tinha. Eu por acaso, o primeiro frigorífico que eu tive foi comprado com os lucros da Cooperativa. (…) Na Comissão Cultural juntávamo-nos, reuníamo-nos para termos ideias para arranjar dinheiro para pessoas necessitadas, em especial famílias dos presos políticos. (…) Nessa altura de quem se ouvia mais falar era dos camaradas comunistas, nada nos faria lembrar que depois do 25 de Abril se iria encontrar tanto partido, nunca na minha ideia pensei que ia haver tanto partido, tanto partido, porque eu sempre ouvi falar, “Era do Partido Comunista, foi assassinado, teve incomunicável tanto tempo, sofreu tanto, era do Partido Comunista!”… não se ouvia falar em mais partido nenhum, embora depois se ouvisse falar do Partido Socialista, mas ouvi dizer: “- Foram a casa de fulano andaram a ver a casa toda, mexeram nas gavetas mexeram em tudo a ver se encontravam Avantes”. Mas nunca ouvi, em toda a história da minha vida, irem a casa de alguém para ir ver se encontravam coisas do Partido Socialista, nunca ouvi dizer que andavam à procura de alguém por causa de um papel do Partido Socialista, nunca ouvi, esta é que é a verdade.”
Mário Lopes Quaresma nasceu na Cova da Piedade em 1921. Foi 2º secretário da Direcção da SFUAP, 1º secretário da Direcção da URPICA, membro do Grupo Cénico do Clube Desportivo Piedense, colaborador e empregado da Cooperativa de Consumo Piedense.
“Naquele tempo a gente vivia a Cooperativa, a gente vivia a colectividade. Considerávamos que aquilo era talvez uma tábua de salvação para a nossa situação financeira. (…) É preciso que as pessoas acreditem naquilo, vivam aquilo. Se as pessoas vão para lá só com a ideia de comprar coisas também não interessa, mas viver aquilo. As direcções da Cooperativa também têm o dever de fomentar aquilo, o caso da biblioteca, o caso dos serviços médicos e tudo. (…) Eu também fui elemento da Comissão da Biblioteca, até fizemos lá umas exposições de cerâmica e de pintura. Eu fui à casa dos pintores, do Júlio Pomar e doutros, fui a casa deles para conseguir que emprestassem o material para gente, fomos à Marinha Grande buscar coisas, fomos a Sacavém buscar cerâmica, eram exposições que nós fazíamos. (…) O inglês e o francês aprendi lá dentro, até chegou lá a haver o esperanto, mas depois o Salazar acabou com o esperanto. A biblioteca tinha um leque de livros formidável. A Comissão Cultural acabou, relacionavam aquilo ao Partido Comunista e tudo que e relacionasse com o Partido, ardeu, não havia nada para ninguém. (…) Eu a primeira vez que fui ao Tribunal da Boa Hora foi defender dois colegas lá da Cooperativa. A PIDE foi lá, deu volta aquilo tudo e aqueles que já tinham lá marcado foram buscá-los à Cooperativa. O Albertino Ferreira de Oliveira foi um, o Raul Cordeiro foi outro. Foram lá buscá-los porque eram contra o Salazar. (…) A Cooperativa significa muito para mim como pessoa, eu fiz-me homem ali dentro.” (Mário Quaresma – 2005).
Mário Araújo nasceu na Cova da Piedade em 1935, filho de um tanoeiro, natural de Almada e de mãe natural de Niza. Frequentou a escola primária até aos 11 anos de idade, tendo começado a trabalhar como ajudante de ferreiro. Aos catorze anos inicia-se como caixeiro sendo integrado na Cooperativa, aos vinte e dois anos. A actividade política obriga-o a sair da Cooperativa e aos trinta e dois anos é integrado no Arsenal do Alfeite. Além de sócio da Cooperativa foi dirigente da SFUAP e do Clube Desportivo da Cova da Piedade, coordenador das escolas do desportivo. A actividade associativa e politica no Arsenal do Alfeite conduzem-no à prisão em 1967. Em 1995 foi sócio fundador da associação Amigos da Cidade de Almada e posteriormente do Movimento Associativo e Popular do Concelho de Almada. “Os meus avós, os meus pais, os meus tios, eram todos da Cooperativa Piedense e eu fui lá empregado, antes de me casar. (…) Eu era conotado com uma determinada ideologia e depois comecei a ser mesmo membro do Partido Comunista e então fui avisado que se não saísse da Cooperativa, … e então foi-me possibilitada a entrada no Arsenal do Alfeite, isto aos trinta e dois anos, mas continuei a ficar na Cooperativa como associado e como consumidor, e depois mais tarde fui dirigente da Cooperativa, a partir de 74, já depois do 25 de Abril. (…) Era uma Cooperativa que tinha uma dinâmica diversificada, não era só o consumo, depois apareceu a quinta, os bens sociais ao nível da assistência médica, da reforma, dos funerais, tudo isso foi implantado. Não podemos esquecer que a razão de ser da Cooperativa é privilegiar os trabalhadores do acesso aos bens de consumo, propriamente dito aos bens alimentares e isso foi muito importante para os trabalhadores. (…) De facto foi o Gomercindo Carvalho que quer na Cooperativa quer nas escolas do Desportivo desenvolveu um trabalho cultural que apetrechou uma série de pessoas desde as classes mais elementares, os operários, os trabalhadores, até oficiais da Marinha, médicos que passaram por aquela escola. (Mário Araújo – 2005)
Vítor Costa nasceu em 1929 nas Barrocas (Cova da Piedade). Filho de João Costa, corticeiro e dirigente anarco-sindicalista, presidente da Associação de Classe dos Corticeiros de Almada até 1933. Em 1939 o pai assume a presidência da Direcção da Cooperativa Piedense e, com 10 anos de idade, Vítor Costa inicia a sua aprendizagem cooperativista. A adesão ao MUD Juvenil e a participação na campanha à presidência do General Norton de Matos, em 1948, marcam o início da actividade politica. Em 1959 colabora na Comissão Cultural da CCP, em 1960 foi 2º Secretário da Direcção, em 1961 fará parte da Comissão dos Serviços Médico-Sociais, em 1965 foi Tesoureiro, em 1966 Presidente do Conselho Fiscal, e em 1968 Presidente da Direcção. “Nasci nela. O meu pai era sócio, o meu avô era sócio, a minha avó era sócia e vivi sempre na Cooperativa. Naquele período abria só de noite, abria depois das cinco horas e eram os próprios sócios que faziam os serviços. (…) Era uma família, não quer dizer que não houvessem divergências, divergências haviam basicamente politicas, uma delas notava-se muito, era corticeiros/arsenalistas (…) havia um grupo que uniu, mas outros continuaram agarrados aquilo. (…) Na Direcção de que eu fiz parte havia empregados de escritório, havia corticeiros. (…) O principal foi o apoio aos sócios, criar o apoio aos trabalhadores naquela altura. (…) O grande serviço que prestou foi no período da guerra, devido às dificuldades financeiras, às dificuldades de abastecimento a cooperativa deu um grande apoio, foi a chave. E os sócios ao fim tinham o retorno e os sócios aproveitavam para comprar uma camisa, ou uns sapatos… O económico foi muito importante o cultural veio depois. (…) Sempre fui beneficiado pela Cooperativa. Foi ali que eu fui educado, foi ali que eu aprendi, foi ali que eu sou aquilo que sou hoje, os conhecimentos que tenho. Foi ali que houve assistência médica que noutro lado não havia. Foi ali que culturalmente aprendi e foi ali que eu comecei a conhecer as pessoas e os princípios de cooperação das pessoas. E mais humanismo.” (Vitor Costa – 2005)
Sofia Nascimento Santos nasceu em Silves em 1924, filha de um operário corticeiro e de uma costureira. Aos 10 anos pergunta ao pai que é ser comunista e a sua resposta ainda hoje permanece viva na memória: “É ser contra o Governo!”. Aos 11 anos fez o exame da Instrução Primária e criou gosto pela leitura. Aos 15 anos descobriu “O Trabalho” de Emílio Zola, um livro que considera determinante para a sua formação. Foi costureira em Silves e operária corticeira na Cova da Piedade. Participou no Movimento de Paz, na campanha de Norton de Matos, na recolha de assinaturas contra a execução do casal Rosenberg e mantinha relações com o PCP, na clandestinidade, distribuindo o jornal “Avante”. Este presa no Aljube e em Caxias, participou na luta pelo aumento de salários das mulheres, na fábrica de cortiça Validos, que viria a encerrar deixando no desemprego dezenas de operárias, e foi Presidente da Secção Feminina da Comissão Cultural da Cooperativa nas décadas de 50 e 60. “A Cooperativa foi muito importante com a Biblioteca, onde muitas pessoas aprenderam a ler. (…) Vi o Alves Redol, vi o Eurico Veríssimo e uma vez uma homenagem ao António Sérgio com o Ferreira de Castro. Porque eu sempre gostei muito de escritores, porque se não fossem os escritores eu era uma burra. (…) Entraram para lá pessoas para directores que não conheciam aquilo, a humanidade daquilo, as relações das pessoas. (…) aquilo foi feito pelos operários e depois entraram para lá administrativos, engenheiros e toda a coisa, era a aristocracia com o operariado. (…) Havia choque entre aqueles que ganhavam poucochinho e aqueles que ganhavam muito que tinham outras aspirações, viam aquilo de outra forma. E então formavam leis em que os humildes é que sofriam as consequências.” (Sofia Santos – 2005)
Raul Fernandes Costa nasceu nas Barrocas (Cova da Piedade) em 1937, filho de João Costa, dirigente anarco-sindicalista e dirigente da CCP. Fez o Curso Geral de Comércio e foi Técnico Administrativo de profissão, colaborou em várias comissões culturais da CCP nas década de 50/60/70 e foi Secretário da Direcção entre 1984 e 2005. Fortemente marcado pelo “Ideal Cooperativista” de António Sérgio defende um cooperativismo social e económico como alternativa ao sistema capitalista, entendendo as cooperativas como motores de transformação da sociedade. Possui um elevado conhecimento histórico sobre o Movimento Operário e o Associativismo a nível local. “A realização dos homens não era no seu trabalho nas fábricas, mas sim no seu trabalho junto das colectividades, onde demonstravam as suas capacidades intelectuais, muitas vezes superiores à dos patrões. (…) Por dentro da Cooperativa Piedense passou a grande nata da intelectualidade portuguesa, foi aí a nossa Universidade. Esses intelectuais, esses escritores, quando passavam a porta da Cooperativa transformavam-se. Entravam noutro mundo e pensavam que as suas ideias tinham realização. Passavam de uma sociedade repressiva para uma sociedade democrática. (…) A Cooperativa vai desaparecer. Vai desaparecer porque a Cooperativa são as pessoas, não é o prédio. Mais de 50% dos sócios vai desaparecer dentro de 10 anos e não há renovação, 80% dos sócios tem mais de 70 anos e não há adesão de gente nova. (…) Estamos aqui só para dizermos que estamos aqui, porque a parte comercial é gerida pela Pluricoop. (…) Tenho dúvidas sobre o funcionamento da Pluricoop, se ela funciona bem. Aparecem-me à frente sempre os mesmos presidentes à frente… (…) Sem oposição não vamos a lado nenhum, são fundamentais oposições cooperativistas construtivas que permitam a evolução da Cooperativa”. (Raul Costa – 2005)
Raul Cordeiro nasceu em 1930 em Idanha-a-Nova e veio viver para as Barrocas, Cova da Piedade, com três anos de idade. Atento desde muito jovem à luta política do movimento operário dos corticeiros, traçou um percurso marcado pela participação activa na vida social e política da comunidade. Associativista convicto colaborou na biblioteca e na Secção Cultural da SFUAP vindo a ser convidado por Jaime Ribeiro Lourenço, Presidente da Direcção da Cooperativa de Consumo Piedense para 1º Secretário da Assembleia-geral. Posteriormente, será eleito para Presidente da mesa da Assembleia-geral, até à sua prisão pela PIDE em 1958. “Foi o período em que havia aqui uma grande agitação em todo o País, mais nuns locais que outros, promovida pelo MUD Juvenil. O MUD Juvenil tinha uma grande influência nos rapazes daquela idade, e influenciou muitos jovens a participar na promoção de candidatos presidenciais como o caso do Norton de Matos, depois o Arlindo Vicente a que depois se juntou por parceria o Humberto Delgado. Os rapazes de dezassete, dezoito anos andavam todos nessas actividades e simultaneamente nas colectividades a promover iniciativas de aspecto cultural. (…) Depois do MUD Juvenil aparece a motivação mais directa para a filiação no Partido Comunista, clandestino claro, com muito medo, muito receio. E depois a Policia Politica lá teve conhecimento de que havia qualquer coisa que não estava bem, na perspectiva deles, e vieram-me convidar para passar uns anos lá dentro, quase seis anos. (…) A Cooperativa nasce por uma necessidade económica, a melhoria dos bens a concessão do crédito, a garantia que em certas condições de adversidade havia um certo apoio da parte da Cooperativa. É o caso das greves, é caso de pessoas que estavam em situações mais deprimentes que estavam desempregadas, a Cooperativa concedia-lhes crédito. A par do benefício económico haveria o benefício de ordem social e depois, à medida que a Cooperativa se foi desenvolvendo e implementando, esta Cooperativa chegou a ser considerada a maior da Península Ibérica, mais volumosa em termos de movimento, em termos de cooperação.” (Raul Cordeiro – 2005)
Maria Cecília Marques Rodrigues, nasceu na Cova da Piedade em 1937. Filha de operário corticeiro e mãe doméstica, começou a trabalhar na Cooperativa com 19 anos de idade. “A Cooperativa, quando aquilo era uma mercearia, uma casita, foi de facto um movimento do operariado, dos carpinteiros dos tanoeiros, dos corticeiros, o meu pai era corticeiro. A Cooperativa, para nós era atravessar a rua, mas era também uma coisa que nós sentíamos nossa. A Cooperativa fazia parte da nossa vida. (…) Nos dias de hoje não sei, mas naquele tempo era imperioso ser sócio da Cooperativa, aquilo também dava prestigio às pessoas, ser sócio daquela casa se calhar é como hoje os jogadores do Benfica, era assim uma idolatria, uma coisa que se impunha, impunha-se ser sócio, impunha-se entrar dentro daquela casa, é como uma pertença nossa, é uma coisa tão sentida que não há palavra que exprimam bem este sentimento. (…) A Cooperativa tinha uma coisa muito importante que era a biblioteca mais importante do Concelho de Almada, eu era uma assídua leitura e depois aqueles rapazes mais progressistas para a democracia, porque mais de podia falar porque iam presos e foram muitos lá empregados. Digamos que começa ali de uma forma muito discreta, muito subtil, não podíamos falar, mas já sabíamos pelos livros que líamos que emprestávamos uns aos outros que eram A Mãe, Os subterrâneos da Liberdade, o Jorge Amado, a partir dos quinze anos começo a ler esses livros que me foram pouco a pouco encaixando aos poucos. A minha irmã e o meu cunhado estavam ligados a movimentos democráticos.” (Cecília Rodrigues – 2005)
Germano da Costa nasceu em Sobral Gordo em 1917. Aos 14 anos de idade inicia a actividade de operário corticeiro na Fábrica Bucknall, onde permanecerá até ao encerramento e venda da fábrica à firma Barreiros, nos finais dos anos 40. Não frequentou a escola, tendo iniciado a sua aprendizagem como autodidacta com os colegas anarquistas da Bucknall. Trabalhou durante seis anos na empresa Parry & Son, e virá a concluir o Curso Profissional de Contabilidade começando a trabalhar por conta própria como contabilista e técnico de contas. Filiou-se na Cooperativa de Consumo Piedense em 1939, e foi dirigente entre 1946 e 1973. “Naquela altura a Direcção da Cooperativa era quase toda constituída por operários corticeiros. (…) As Direcções da Cooperativa eram quase sempre formadas ali na fábrica (Bucknall) por gente da indústria corticeira. (…) Com o evoluir dos tempos e com o desaparecimento da indústria corticeira, foram entrando para a Cooperativa pessoas de outras profissões. (…) A nossa Cooperativa foi uma instituição que foi mãe de muitas famílias em períodos de crise. Houve um período em que posemo-nos todos de greve nas fábricas, e o senhor Salazar não esteve com meias medidas mandou encerrar as fábricas todas e, durante um mês, esteve tudo fechado como represália (1943). Quem aguentou essa Cova da Piedade, para não estarem sem comer, foi a Cooperativa. (…) A Cooperativa Piedense, a Cooperativa Pragalense e a Cooperativa Almadense foram as instituições que asseguraram a sobrevivência das famílias nestas épocas de crise.” (Germano da Costa)
Alfredo Canana nasceu em Silves em 1935, mas vive na Cova da Piedade desde 1955, ano em que o seu pai se associou à Cooperativa. É um jornalista autodidata que dedicou a sua vida à escrita, à organização de actividades culturais e à intervenção politica. Foi membro da Comissão Cultural da CCP durante vários anos, desenvolvendo um importante trabalho de oposição ao Estado Novo. A vigilância da PIDE sobre as actividades culturais está bem documentada no Processo da Torre do Tombo, onde o nome de Alfredo Canana é referido em vários documentos. “O principal objectivo da Comissão Cultural era divulgar uma cultura progressista. Foi uma trincheira contra o antigo regime político. As actividades culturais concentravam na cooperativa não só os sócios e habitantes da Cova da Piedade mas também os habitantes de Almada. Era um centro de referência cultural. (…) Em 1968 tive de ir a Setúbal à PIDE para saberem como era e como não era… Pediam o programa de actividades e assistiam às sessões todas. A sessão em que veio cá o Carlos Paredes e o Tossan deu problemas com a PIDE. Porque o Tossan contou uma história em relação ao Salazar. Depois apareceu aí a PIDE a perguntar quem era o Tossan, até telefonaram ao Carlos Paredes. (…) Muitas vezes tivemos vários problemas com Direcções da Cooperativa, até com direcções progressistas, porque tinham medo de nós. Falar de cultura era como pegar numa arma. (…) Não houve renovação de sangue novo na Cooperativa porque se direccionaram para outros interesses. Por outro lado a motivação para a resistência política desapareceu com o 25 de Abril. (…) Ser sócio da cooperativa era importante, além da actividade comercial havia outras actividades que puxavam as pessoas. Hoje temos 1.274 sócios passivos que se mantêm por saudosismo, para não deixar perder uma coisa de que fizeram parte. Estas pessoas viveram muito os anos bons da Cooperativa Piedense. Neste aspecto a Cooperativa não morre, embora só esteja viva nas memórias das pessoas.” (Alfredo Canana – 2005)