Entrevista com
Alexandre Castanheira
Faz falta mais formação associativa
Alexandre Castanheira, associativista ligado à formação de dirigentes, defende que deve haver nas colectividades “cada vez mais formação associativa e escolar”, em oposição a um “profissionalismo” que deve ser afastado do movimento associativo de raiz popular.
Qual o balanço que faz dos cursos de formação realizados pela FPCCR há dez anos?
Foi extremamente positivo a FPCCR ter começado com os cursos de formação de dirigentes associativos. Fizeram-se várias acções durante estes dez anos e o saldo é satisfatório quando acabamos cada um dos cursos. Todas as acções de formação acabam, de uma maneira geral, com satisfação para os dois lados, formandos e formadores.
O espírito destes cursos foi sempre a troca de opiniões e de experiências no sentido de, em função de cada local e de cada colectividade, se compreender quais eram os problemas. Ninguém leva receitas e nem ninguém é professor.
Nesta troca de opiniões acaba-se por ter uma ideia melhor do que é uma colectividade, do que é ser dirigente e o do que é a evolução de uma colectividade e da necessidade de mudança e adaptação constante.
Os valores da generosidade e da entrega são suficientes para gerir uma colectividade?
Não há ninguém que vá para uma colectividade que não seja com o espírito de dádiva, de entrega. Essa é uma prática diária das pessoas que estão à frente das colectividades e é inerente a tudo o que se faça lá dentro.
Gostaria de sublinhar que os cursos têm como objectivo principal procurar acompanhar a evolução da sociedade e passar para os dirigentes das colectividades a noção do conjunto da actividade, do conjunto dos objectivos de uma colectividade. É preciso que cada um se sinta dirigente.
Hoje em dia exige-se uma gestão mais moderna das colectividades?
Existe uma evolução da sociedade e das mentalidades, nomeadamente nos jovens, e se não houver uma evolução correspondente aquilo que são as necessidades e as mentalidades, corre-se o risco de aqueles que estão à frente da colectividades ficarem parados no tempo.
Jovens nas colectividades
A juventude tem um papel importante nesse campo?
Deveria ter… Teoricamente tem… Na prática não tem! Não tem porque ou pensa que aquilo não tem que ver com ela e vai à procura de outras modalidades, de outro tipo de associações, ou, se tenta ir à colectividade, são os que lá estão que lhe “fecham” um pouco as portas.
Há uma ruptura entre os dirigentes mais antigos e os jovens que procuram entrar nas colectividades?
Ninguém diz que há ruptura…mas fazem-na na prática.
Como é que isso pode ser ultrapassado?
Tem de ser com um pouco de esforço dos dois lados. Por um lado, a juventude tem práticas que não vê nas colectividades, mas também não as vai sugerir às direcções. Por outro lado, há um grande receio da parte dos mais antigos.
À medida que a sociedade tem evoluído, deu-se um fenómeno que é resultante do 25 de Abril. Antes da revolução, todas as pessoas se aglutinavam no centro de convívio que era a colectividade. Quer gostassem de animais, selos, ginástica, livros ou de cinema, todos lá iam. Com a liberdade de expressão e associação, as pessoas com gostos semelhantes formaram as suas próprias associações. A necessidade de ir a um só sítio já não se põe. Isto fez com que as colectividades se tenham esvaziado um pouco.
Mas concorda que o associativismo precisa de sangue novo?
Acho que sim e tem entrado. Apesar de tudo, tem entrado gente nova, mas num processo que é lento e que dá muito pouco nas vistas.
Uma vez fui a uma colectividade que não conhecia. Ia lá fazer uma palestra sobre associativismo. Passei por algumas salas onde havia pessoas a fazer ginástica rítmica, outros a fazer karate, outros a aprender música e outros a jogar bilhar. No entanto, no salão onde se realizava a conferência estavam seis pessoas. Como é óbvio, fizeram demorar o mais tempo possível a minha visita para que tivessem tempo para chamar mais pessoas. Quando começou a sessão, o presidente da direcção fez uma intervenção onde disse que “isto está muito mal, é uma vergonha, vem cá uma pessoa dar uma palestra e estão cá meia dúzia de pessoas… a juventude dos nossos dias…não sei se repararam mas à porta estava um grupo de três tipos, são drogados…”. Este é que é o drama. Três tipos que estavam à porta foi a imagem que ficou e não a de dezenas de jovens que estavam dentro das salas a fazerem uma série de actividades. O negativo transforma-se na imagem que se quer passar.
O grande problema é levar os seccionistas jovens a tomarem posição de dirigentes.
Um maior profissionalismo dos dirigentes vai contra a própria natureza das colectividades?
Não pode haver profissionalismo nas colectividades. Essa é uma palavra excluída. Hoje, para se ser dirigente de uma colectividade, com todas as obrigações que se tem, exige que se tenha cada vez mais formação associativa e mais formação escolar, o que é uma coisa diferente do profissionalismo.
As colectividades precisam de pessoas que tenham uma visão geral dos problemas, e que depois se saibam socorrer dos colaboradores necessários para resolver essas adversidades.
Os dirigentes estão à frente das colectividades para servirem os sócios e a própria associação, não para receberem um salário.
Sociedade em crise
O associativismo está ou não em crise?
O que está em crise é a sociedade e não as colectividades. Há crise de teatro? Há! Mas há muito teatro a fazer? Há! Mas há muito actores desempregados, os salários das companhias são baixos, é difícil fazer tournées, etc.. Nunca houve tanto cinema português, no entanto, está em crise. As bilheteiras não funcionam da mesma forma. Somos dominados pelas técnicas americanas, do rápido, barulhento, com muito sangue e movimento. O português não é assim. É lento e interiorizado. Como nós, através da televisão e de algumas salas de cinema, já entrámos naquela visão da rapidez e sangue, não vamos depois ver os filmes portugueses.
As colectividades estão sempre em crise. Comecei nas colectividades em 1944 e já na altura se chegava ao fim do mês e tinha-se de ir à procura de dinheiro para pagar a luz.
Qual o balanço que faz do IV Congresso Nacional das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto?
O IV Congresso foi um marco histórico no associativismo porque, extraordinariamente, mais de 600 colectividades apareceram em Loures vindas de todo o País. Assistiu-se a um movimento associativo com enorme pujança, em desenvolvimento.
O fundamental ficou esclarecido: somos umas força organizada, mas sem organização; somos uma força que tem desenvolvido culturalmente e desportivamente a sociedade portuguesa e temos de ser reconhecidos como tal. Tudo isto ficou claro para todo a gente. Daí que tenha sido um congresso extremamente positivo, porque vai conduzir, certamente, à criação da confederação, com as federações distritais e associações concelhias que já estão a ser constituídas um pouco por todo o País.
Somos uma força que quer colaborar com todos. Nunca houve apoios ao movimento associativo, portanto estamos à vontade para dizer que não estamos contra este ou aquele Governo.
Queremos que o Estado reconheça a nossa força e vitalidade, e o muito que ainda temos para dar ao desenvolvimento da nossa sociedade.
Elo Associativo Nº 20 – Agosto 2001